segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Aquele sorriso

        Naquele momento tudo parecia bom, a felicidade me parecia plena, a loucura me parecia plena. Ainda num instante apático de lisergia ele se pôs diante de mim em uma breve troca de olhares, pude sentir meu cérebro ferver em reações químicas que nem sei explicar, borbulhando ansiedade por minhas entranhas e tomando minha mente com um desejo que me causara angústia e abalava ainda mais meu fígado já torturado pelo o álcool. Um desafio perigoso de conquista que eu já pressupunha falho.
         Entretanto, me pego em nostalgias com seus olhos e cabelos castanhos em contraste com sua pele clara, seu corpo delgado e seu sorriso... aquele sorriso, suave e misterioso que me levou à extrema insegurança e instiga, a um leve desespero até. Vejo minha racionalidade sucumbir perante a impulsividade e o desejo, maldita insensatez que me mata e me mata outra vez, não apenas de prazer. E assim retorno meus pensamentos àquela pele macia, às suas mãos e dedos, à sua voz inconfundível enquanto me torturava com breves mordiscadas por minhas costas e pescoço.
        Naquele instante tudo parecia bom, o gosto me fazia vulgar, o tato nos fazia vulgar; até eu perceber que para ele, provavelmente, só o vulgar já iria bastar em nós.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um pouco do que não falei

     Ah... meu medo é sentir demais um sentimento divergente, é descobrir em meu peito a tua ausência enquanto no teu minha presença inunda. E ainda que exista, entre mim e ti, um abismo de disparidades, há uma tênue ponte de conformidade em madeira gasta que nos mantém. Abomino este tal setimento pertinaz, instável, petulante, que ludibria minha mente com fantasias e insensatez. Mas desejo-te e entrego-me aos teus braços ainda que com desconfiança e insatisfação. E desejo dizer-lhe que o amo ainda que não ame, ainda que o tempo nos seja muito jovem e o sentimento incerto, mas não o farei. Me empenharei a ser paciente na expectativa de que seja mais do que uma experiência, na esperança de que sinta minha ausência quando já não mais estivermos juntos e de que sorria apenas ao recordar os instantes que gozamos de tal paixão. Prometo-lhe veracidade em minhas palavras e atos, desde que tolere minha compulsiva individualidade egotista, pois como eu, conhece o prazer de uma alma livre em amar e continuar liberta.
     Ah... meu medo é você, é ter consciência de que o "nós" é tão efêmero a ponto de conhecermos sua data de validade.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Rejeição

    São poucas as certezas que tenho na vida, entretanto, agora sinto a dor da certeza de meu fracasso. E como posso ainda carregar esta esperança em meu peito?! A matemática é irrefutável e os números não mentem. Como posso acostumar-me a rejeição? Deveria? Alguns diriam que não, eu diria que não, mas estou ficando cansada de me humilhar, de sacrificar-me todos os dias por algo que se faz, a cada etapa, tão distante. Será que sou tão ruim? Prefiro pensar que estou acima disso, que sou boa demais para me encaixar. Mas não consigo ser hipócrita a este ponto. Também sou incrédula em justificar minha falha no acaso do destino. Eu não quero ser medíocre, não posso ser, mas me sinto pior que isso: inválida e impotente.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

13 de Novembro

Pensei, naquela tarde nublada de domingo, que seria apenas mais um dia perdido, apenas horas de tortura por não conseguir parar de refletir sobre meu ego ferido. Mas lá estava ele, cabelos negros e despenteados, trajes simples, pele morena e olhos castanhos. Parecia não gostar dos óculos, pois precisava colocá-los sempre que a conversa lhe dirigia a palavra, caso contrário estavam sobre a mesa. Mal sabia que este era seu grande charme, pelo menos o que primeiro me chamou a atenção; cheguei até a fazer um sutil elogio a respeito no fim da noite, ele ficou tímido, desviou o olhar para baixo com um leve sorriso, eu daria tudo para saber se era uma reação a mim ou apenas uma forma de lisonjeio. Sua imagem me induzia a questionar sua sexualidade, mas descobrir que era comprometido com a aniversariante foi um choque. Não por desmentir uma provável homossexualidade, mas por desmentir minhas expectativas. Pelo menos eu já estava embriagada o bastante para abstrair uma possível recaída por desilusão e sóbria o suficiente para manter-me distante, afinal, eu nem havia sido convidada. Lembro-me de quando o notei no local, sentado na fileira em frente a minha da mesa do bar, bem à direita; ele também havia percebido minha presença. Em alguns momentos da noite seu olhar era oblíquo, parecia atravessar a mesa, deslizando por entre os copos de vodka até mim; até meus olhos, que quase sempre davam de encontro aos dele. Um olhar sério, curioso, acompanhado de finos lábios entreabertos, desejáveis. De tempo em tempo o via se aproximar, até que sentou-se próximo o suficiente para que eu pudesse perceber sua curta barba mal feita, neste momento conseguimos travar breves conversas superficiais, daquelas de quem se interessa mas tem receio.
No final da noite restaram só algumas poucas pessoas e não mais no bar, tragávamos e ríamos em conversas motivadas pela substância. Ainda, às vezes, dirigia meu olhar ao dele, sempre se batiam, mas não conseguíamos nos fitar por muito tempo. Ao se despedir, foi o único ao se aproximar até meu rosto. Pude perceber que, de tempo em tempo, fitava-me através do vidro do carro em que estávamos, em que eu ainda me encontrava. Após menos de um minuto voltou para pegar algo, nem percebi se havia realmente algo em suas mãos, apenas que seu olhar e sorriso se dirigiram a mim outra vez com um breve "tchau" não tão breve.
Parecia certa sua reciprocidade, mas talvez eu apenas estivesse muito embriagada para distinguir entre o que eu desejava e o que era real.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Coração pela Pedra

   Amarga dor seguida de fúria, um desejo insano de, com a própria mão direita, perfurar meu peito. Segurar com força e exatidão este músculo involuntário que se recusa a obedecer a razão e afagá-lo com dedos e unhas, com todo o meu ódio e paixão. Finalmente, aquele pedaço de carne agora pulsa em uma bandeja de metal, longe deste peito quente e aconchegante, longe da pessoa que satisfazia todas as suas vontades, próximo a um talher frio e enferrujado.
   A dor se fez acentuada, apesar do alívio pela apatia. Com movimentos firmes e precisos a agulha de ponta curva atravessava minha pele e por um breve instante tocou algo, algo que preenchia o lugar daquele que antes pulsava, mas não houve dor, não pulsou e jamais nada sentiu.